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segunda-feira, 25 de abril de 2016

Após 80 anos de casamento, idosa com Alzheimer só reconhece marido

Do alto da cama hospitalar instalada no meio da sala, dona Genésia Generina Soares de Araújo, de 97 anos, espia o marido pelo canto do olho direito enquanto ele fala sobre quando construiu uma casinha de barro para os dois morarem em um sítio, no interior de Natal (RN). Com Alzheimer há 6 anos, apesar da família de 103 descendentes entre filhos, netos e até tataranetos, ela só reconhece o centenário Luiz Gonzaga de Araújo, com quem se casou há 8 décadas.

A união do casal aconteceu em 1936. Ela era de família com melhores condições financeiras, mas não se importou em mudar para um lugar mais simples com o companheiro. Foram morar na casa que Luiz ergueu na propriedade do pai dele e viveram lá por cinco anos.
Por baixo dos óculos miúdos, a mulher magrinha reconhece o esposo pela voz e pelo arrastar do andador até a poltrona que fica ao lado da cama dela, na residência com quintal amplo do bairro Vale do Sol, em Piracicaba (SP), onde moram desde os anos 1980.
A família conta que a ex-costureira foi diagnosticada com Alzheimer 4 anos depois de um Acidente Vascular Cerebral (AVC) que paralisou o braço direito, mas nunca esqueceu o amor da vida dela.
– Quem é seu marido? – pergunta a filha caçula, professora Rita Maria de Araújo, de 56 anos, enquanto reclina o encosto da cama na posição vertical para a mãe sentar.
– Luiz Gonzaga – responde a idosa.
A união: Luiz se apaixonou pela prima aos 20 anos. Ela tinha 18. Hoje, o agricultor aposentado soma um século de histórias para contar, entre elas o dia do casamento, fato vivo na memória como se fosse ontem, mas que na realidade ocorreu em 25 de fevereiro de 1936, em Florânia (RN).
A festa que oficializou a união do casal foi embalada por sanfonas e muita dança, para fazer jus ao xará do Rei do Baião (Luiz Gonzaga do Nascimento).
Grande família
Seu Luiz e Genésia tiveram 15 filhos. As 6 primeiras meninas morreram ainda bebês, vítimas da falta de informações médicas no Nordeste daquela época. Mas os demais, outras 6 meninas e 3 meninos, não só “vingaram” como deram ao casal 46 netos, 33 bisnetos e 9 tataranetos.
Já adultos, os filhos convenceram os pais a se mudarem para Piracicaba em 1986. A família toda migrou para o interior de São Paulo e nunca mais voltou para o Rio Grande do Norte. Foi na cidade paulista que o aposentado comemorou os 100 anos, em junho do ano passado. A festa reuniu quase 200 pessoas.

Alzheimer x convivência: O neurologista Márcio Balthazar, professor da Unicamp, disse ao G1 que o fato de Genésia ainda reconhecer o marido entre tantos outros familiares e amigos pode ser atribuído à relação próxima entre eles, à convivência e às muitas conversas diárias ao longo dos anos.
“A princípio as pessoas não reconhecem o companheiro mesmo, mas quanto mais intimidade melhor. Quanto mais contato tiver com o outro, melhor.” Ele ressaltou também que o Alzheimer é uma doença que afeta primeiro as lembranças recentes. Segundo o professor, há casos em que a mãe ou pai não reconhece mais o filho pois só lembra dele quando criança. “Vê um barbudo, uma pessoa mais velha chamando de filho, causa estranheza. É mais fácil achar que o neto é filho.” O especialista ainda afirmou que o mesmo pode acontecer entre casais. “Às vezes, a paciente confunde o marido com o pai.”
0 anos juntos
As oito décadas de matrimônio reluzem na mente de seu Luiz como fagulhas embaralhadas pelo peso de seu centenário e saem como peças de um quebra-cabeça. A filha Rita é responsável pela montagem desses fragmentos para facilitar o entendimento inclusive entre o próprio casal. Com olhos marejados à sombra do chapéu, o idoso recorda como a mulher era “trabalhadeira” e deu conta dos estudos dos herdeiros sozinha. “Uma vez passei seis meses aqui para tratar de uma infecção e seis meses na estrada de Minas. Cheguei no Nordeste e ela tinha cuidado de tudo. Nós todos estudamos por conta dela”, confirmou Rita. “Meu pai vivia na roça, trabalhando, e ela tomava conta da gente. Fazia de tudo para estudarmos.” E deu certo. A caçula fez magistério e depois cursou pedagogia. “Era aquela pessoa que andava na cola da gente para estudarmos.”

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